Não é incomum conhecermos alguma pessoa que está passando por um processo de divórcio ou de guarda compartilhada dos filhos. Segundo um levantamento recente do jornal Globo, aproximadamente 104 mil processos de cobrança alimentícia tramitam em dez estados brasileiros atualmente.

O levantamento foi feito nos estados de Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Ao todo, foram abertos 37.648 novos processos em 2016 e 30.491 em 2017 apenas nessas localidades. Segundo os últimos registros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2016 surgiram, ao todo, 146 mil novos processos de pensão alimentícia em todo o país.

Os dados do CNJ representam aproximadamente 40% do número de divórcios no Brasil, que alcançou a marca de 344 mil em 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio de Janeiro, em especial, os números de prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia aumentou de 2016 para 2017, passando de 5.856 para 6.256.

Os números, no entanto, podem ser bem maiores. Isso porque, apesar do CNJ compilar os dados, ele depende dos Tribunais de Justiças (TJ) para ter acesso às informações. Devido à lentidão dos TJs, os especialistas em Direito de Família acreditam que os números reais sejam ainda maiores.

Em 2008, houve uma alteração no Código Civil, que criou a Lei da Guarda Compartilhada para motivar a maior participação dos homens na criação das crianças. A legislação motivou, pelo menos nos centros urbanos, a divisão igualitária da guarda entre os filhos, o que, teoricamente, torna desnecessário o pagamento de pensão.

Em vez disso, os pais dividem os gastos com plano de saúde, alimentação, educação, entre outras escolhas que cabem aos responsáveis. No entanto, apesar da lei incentivar, ela não trata do compartilhamento do tempo, mas apenas das responsabilidades e decisões.

No entanto, nem mesmo essa nova legislação conseguiu resolver o problema de igualdade na guarda dos filhos ou fazer com que o pagamento de pensão deixasse de ser um “desafio”. Segundo especialistas em Direito de Família, a falta de diálogo entre os pais e o machismo dos homens de ver a falta de pagamento como uma espécie de “virilidade” acabam prejudicando as partes envolvidas.

“Existe certo ego, muito característico dos homens latino-americanos, de associarem o não pagamento de pensão a uma virilidade, à demonstração de superioridade”, explicou o procurador municipal de Belo Horizonte e diretor do Departamento de Direito de Família do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Luiz Fernando Valladão ao Globo.

No Rio de Janeiro, a fisioterapeuta Paloma Freitas, de 36 anos, está passando por esse problema. Com dois filhos, um menino de cinco anos de idade e uma menina de três, Paloma recebia R$ 250 há um ano do ex-marido, de quem se divorciou, depois de 13 anos de casada, por sofrer violência doméstica. Porém, desde janeiro, desde que o ex-marido foi demitido e sumiu, não recebeu mais o dinheiro. E a Justiça também não consegue encontrá-lo.

“É bem exaustivo. A carga é muito pesada para a mulher. Tenho que arcar com todo o trabalho para criar os filhos, além da parte emocional por conta do abandono que as crianças sofreram. Eu me sinto injustiçada. Imagine se eu estivesse há um ano aguardando a Justiça achá-lo? Como as crianças estariam? Então fui obrigada a arrumar dois empregos para tentar cuidar dos meus filhos, e mesmo assim é bem complicado”, apontou.

Com cerca de R$ 1,4 mil de renda mensal, trabalhando no interior do Rio de Janeiro, Paloma precisa recorrer aos familiares para arcar com todos os gastos referentes à alimentação, educação, entre outros. Porém, Paloma chama a atenção para um problema que vai muito além da falta de pagamento da pensão alimentícia.

“A sociedade coloca como se os filhos fossem responsabilidade única da mulher. Ela pariu, então tem que sustentar. O meu ex-marido tem que dar R$ 250 de pensão. Caso ele desse, aos olhos das pessoas, estaria absolvido de toda e qualquer responsabilidade com as crianças. A sociedade concorda com essa cultura patriarcal na qual o homem dá o dinheiro e já é suficiente. Mas os filhos precisam de muito mais que isso”, afirmou.

De acordo com dados de uma pesquisa do IBGE do início de março, as mulheres dedicam 73% mais tempo do que os homens aos trabalhos domésticos e cuidados com idosos e crianças. Isso significa que, enquanto os homens gastam, em média, 10,5 horas por semana fazendo os afazeres da casa, as mulheres passam 18,1 horas se dedicando a isso. Como se a diferença já não fosse grande, a diferença é ainda maior em populações negras e pardas em locais de baixa renda.

Segundo a professora de direito da PUC-Rio e presidente da Comissão e Mediação de Conflitos da OAB-RJ, Samantha Pelajo, a guarda compartilhada, tanto em tempo, quanto em responsabilidades, tem acontecido em alguns lugares do Brasil, mas normalmente apenas nas áreas mais ricas das cidades. ”Isso tem acontecido mais numa ‘realidade Zona Sul do Rio’. Considerando-se o Brasil todo, ainda é muito comum haver pensão”.

Pagamento de pensão

O juiz analisa, principalmente, três fatores antes de definir o pagamento da pensão alimentícia ao responsável que ficará com a maior parte do tempo com a criança: a necessidade dos filhos, a proporcionalidade contributiva de cada um e a possibilidade dos pais. Caso a pensão não seja paga durante um mês, já é possível que o pagante seja processado e tenha os bens penhorados.

Porém, a prisão, que pode durar até seis meses, só ocorre após três meses de pensão atrasada. “Às vezes, a pessoa tem uma razão para não pagar, como o fato de ter perdido o emprego. Mas, se isso não for comunicado à Justiça e o valor não for revisto, ela sofrerá punição de qualquer maneira. Vira uma bola de neve”, explicou a cofundadora do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, a advogada Olivia Fürst.

Fonte: Opinião e Notícia